domingo, 25 de setembro de 2011

Impressionismo no Brasil

No início do século XX, Eliseu Visconti foi sem dúvida o artista que melhor representou os postulados impressionistas no Brasil. Sobre o impressionismo de Visconti, diz Flávio de Aquino: "Visconti é, para nós, o precursor da arte dos nossos dias, o nosso mais legítimo representante de uma das mais importantes etapas da pintura contemporânea: o impressionismo. Trouxe-o da França ainda quente das discussões, vivo; transformou-o, ante o motivo brasileiro, perante a cor e a atmosfera luminosa do nosso País".O Impressionismo surgiria apenas tardia e precáriamente nas obras de alguns artistas.
No Brasil, ecos do impressionismo podem ser encontrados nas obras de Arthur Timótheo da Costa (1882 - 1922), Belmiro de Almeida (1858 - 1935), Almeida Júnior (1850 - 1899), Castagneto (1851 - 1900), Eliseu Visconti (1866 - 1944) e Antônio Parreiras (1860 - 1937) Henrique Campos Cavelleiro (1892-1975) Vicente do Rego Monteiro (1899 - 1970 ). entre outros. O clareamento da paleta, a atenção aos efeitos produzidos pelas diferentes atmosferas luminosas, a incorporação de temas simples e afastados da eloqüência acadêmica, o uso de pinceladas fragmentadas e descontínuas são incorporados aos poucos pelos artistas brasileiros. No entanto, o acanhamento do ambiente artístico, a resistência do público e das instituições às novas tendências estéticas e as limitações impostas pela Academia Imperial de Belas Artes - Aiba - no ensino por ela ministrado e nas orientações que imprime ao estudo de brasileiros no exterior - dificultam um diálogo mais fecundo entre as investigações introduzidas pelos impressionistas e a arte realizada pelos pintores nacionais, que muitas vezes não vão além de uma incorporação superficial das técnicas impressionistas, adaptando-as a um olhar ainda comprometido com os padrões acadêmicos.








Principais Artistas


Eliseu Visconti


Eliseu d'Angelo Visconti (30 de julho de 1866, Giffoni Valle Piana15 de outubro de 1944, Rio de Janeiro) foi um pintor e designer ítalo-brasileiro ativo entre os séculos XIX e XX. É considerado um dos mais importantes artistas brasileiros do período.

Vida e obra

Nascido na região italiana da Campânia, emigrou com a família para o Brasil entre 1873 e 1875. A família instalou-se no Rio de Janeiro, onde estudou no Liceu de Artes e Ofícios (1883) e na Academia Imperial de Belas Artes (1885). Foi discípulo de Zeferino da Costa, Rodolfo Amoedo, Henrique Bernardelli, José Maria de Medeiros e Victor Meirelles.

Prêmio de viagem ao estrangeiro

Venceu em 1893 o primeiro concurso da República para o prêmio de viagem ao estrangeiro, da Escola Nacional de Belas Artes, seguindo no ano seguinte para a França. Aprovado no processo de admissão da École Nationale et Spéciale des Beaux-Arts, abandona essa conservadora Escola ainda em 1894 e inscreve-se nas École Guérin, onde foi aluno de Eugène Grasset, considerado uma das mais destacadas expressões do Art Nouveau. Frequenta também a Academia Julian, tendo como mestres Bouguereau e Ferrier. De temperamento inquieto e espírito aberto às inovações, Visconti mostra, em importantes trabalhos do período de sua formação na Itália, influências dos movimentos simbolista, impressionista e art-nouveau.

Sua primeira exposição

Realizou sua primeira exposição individual em 1901, na Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, onde, além das telas a óleo, expôs trabalhos de arte decorativa e de arte aplicada às indústrias, resultado de seu aprendizado com Grasset. Sua produção nesse campo situa-o como introdutor do art-noveau nas artes gráficas no Brasil. Desenhou selos, ex-libris, cerâmicas, tecidos, papéis de parede, cartazes e luminárias.

Decorador do Theatro Municipal do Rio de Janeiro

Aquela primeira exposição de Visconti, que teve boa acolhida apenas entre críticos da época como Gonzaga Duque, seria em parte responsável pelo convite que lhe fez o prefeito Pereira Passos para executar os trabalhos de decoração do Theatro Municipal do Rio de Janeiro, realizados em Paris, em duas etapas. Entre 1905 e 1908 Eliseu Visconti executa o pano de boca, o plafond (teto sobre a platéia) e o friso sobre o palco (proscênio). E entre 1913 e 1916, pinta os painéis do foyer do Theatro, considerados a obra prima da pintura decorativista no Brasil. Durante esses períodos de permanência na França, no início do século XX, Visconti assimila definitivamente as lições do impressionismo, incorporadas essencialmente às paisagens de Saint Hubert.

Professor

Em junho de 1906, Visconti foi eleito para substituir Henrique Bernardelli na primeira cadeira de Pintura da antiga Escola Nacional de Belas Artes, cargo que só veio a assumir no ano seguinte, e no qual permaneceu até 1913, quando pediu exoneração. Entre seus discípulos podem ser destacados Marques Júnior, Henrique Cavalleiro e Guttmann Bicho, entre outros artistas que se afirmariam na cena artística carioca dos anos 1920.

Impressionismo, Art-Nouveau

Após sua volta definitiva ao Brasil, em 1920, outra luminosidade e outras cores exerceriam influência sobre ele, levando-o a criar um impressionismo próprio, retratado em suas paisagens de Teresópolis, cheias de atmosfera luminosa e transparente, de radiosa vibração tropical. Para Mário Pedrosa, com as paisagens de Saint Hubert e de Teresópolis, Visconti é o inaugurador da pintura brasileira, o seu marco divisório. Nasce uma nova paisagem na pintura do Brasil. Ninguém na pintura brasileira tratou com idêntica maestria esse tema perigoso da luz tropical.
Trabalhador incansável e artista de vanguarda, Visconti produziu obra de valor universal, utilizando como instrumental, ao longo de suas diversas fases, técnicas e influências naturalistas, renascentistas, realistas, pontilhistas, impressionistas e neo-realistas.
Falecido em 15 de outubro de 1944, sua atualidade permanece, retratada em obras com tal grau de versatilidade que, se o colocaram como o mais expressivo representante do impressionismo e figura exponencial no surgimento da pintura moderna, revelam-no também como pioneiro do design no Brasil.

Arte aplicada





No Brasil, Eliseu Visconti, um dos mais importantes artistas do século XX, foi quem trilhou os primeiros passos do desenho aplicado às indústrias e às artes gráficas. Paralelamente à sua produtiva e louvada carreira como pintor, Visconti produziu selos, cartazes, projetos de pratos e de jarros para serem executados em cerâmica, vitrais, marchetaria, luminárias, ex-libris, estamparia de tecidos e papel de parede, dando os primeiros passos para o surgimento de uma profissão décadas mais tarde - o designer






Henrique Cavalleiro


Carioca, Henrique Cavalleiro assim sintetizou os seus começos, pouco antes de morrer, num texto do catálogo de sua retrospectiva de 1975, no Museu Nacional de Belas-Artes:
     «Quando estudante da Escola Nacional de Belas Artes, de meados de 1910 a 1918, período que corresponde exatamente ao meu aprendizado de pintura, pois antes cursei apenas desenho, já empregava a técnica impressionista. Tentava, mesmo, em alguns trabalhos extra-escolares, seguir um modernismo à maneira de Seurat. Assim, foi executado nessa técnica o quadro Balões Venezianos, de 1912, exposto no Salão Nacional de Belas Artes de 1914. Desde então, como por instinto, sempre mantive esse espírito de pesquisa, embora não encontrasse repercussão ou interesse nos trabalhos que então empreendia, pois, no ambiente artístico da época, nada existia além de receitas acadêmicas.»
     Cavalleiro estudou na Escola desde 1907, tendo sido aluno de desenho de Daniel Bérard; passando à classe de Zeferino da Costa, nela recebeu medalha de ouro em desenho, distinção que até então só Marques Júnior merecera. Obtendo, em concurso, o prêmio de viagem à Europa, partiria, tão logo terminado o conflito de 1914-18, com destino a Paris, matriculando-se na Academia Julian:
     «Embarcando para Paris, fiz o sacrifício, imposto pelas minhas condições de pensionato, de matricular-me na Academia Julian, onde apenas estudei seis meses. Não tive mais paciência para suportar aquela severa disciplina, a que nove anos de Escola me acostumaram, passivamente. Revoltei-me com o ambiente, com os processos, com os artistas e tratei de fundar em Paris o meu ateliê, onde trabalhei durante os cinco anos que lá permaneci. Os meus envios obtiveram sempre reclamações da Congregação e os pareceres dados sobre eles observavam o meu afastamento dos moldes consagrados pela orientação da Escola.»
     Deixando os velhos ensinamentos de seu mestre na Academia Julian, Adolphe Déchenaud, Cavalleiro abandonou pouco a pouco a sua maneira inicial impressionista por uma arte mais construída e pensada: não mais as sutilezas cromáticas ou atmosféricas, porém a procura de uma solidez estrutural baseada em Cézanne, um artista que exerceu sobre o jovem brasileiro extraordinário fascínio, em começos da década de 1920.
     Do período que vai de 1923 ao fim do seu estágio em França datam obras importantes, como Vestido Rosa, ainda impressionista, Nu diante do Espelho e Mimi o Modelo, telas essas que, no dizer do próprio Cavalleiro, "já revelam tendências no sentido de volumes e valores tonais, segundo o princípio de Cézanne".
     Expondo em 1924 na Société Nationale des Beaux Arts, Cavalleiro tem seu trabalho aproximado de Kees Van Dongen pelo crítico do Le Journal - aproximação pertinente, porquanto certos elementos fauves e expressionistas revelavam-se na pintura do brasileiro.
     Retomando em 1925, o pintor realizou duas individuais, no Rio e em São Paulo, encontrando nessa última "uma elite artística mais avançada nas teorias modernas, que soube dar melhor aceitação à minha maneira de sentir e pintar". Menotti del Picchia gabou-lhe, por exemplo, "a construção sólida, a plasmação de volumes realizados por linhas mais precisas e massas de cor mais sintéticas", enquanto no Rio, Virgílio Maurício disse de sua obra ser "original e pessoal demais em um meio onde só se admiram as cópias fotográficas da natureza".
     É de 1926 uma bela têmpera, Juventude, representando uma ruptura no caminho do artista. Trata-se de duas figuras femininas, uma desnuda, a outra amparando na mão uma pomba de asas abertas. Toda a composição, muito estilizada, obedece aos postulados do Art Déco, então em voga na Europa e, através de John Graz e sobretudo Brecheret, também no Brasil.
     Em 1927 era-lhe concedida no Salão a medalha de ouro; logo depois, em 1930, por curto tempo retornaria à Europa, para estudar arte decorativa. Cabe aqui um parêntese sobre sua intensa atividade como ilustrador e caricaturista, iniciada em 1906 em O Malho, com colaborações posteriores em Fon-Fon, A Manhã, O Teatro, O Jornal, Ilustração Brasileira e, após 1929, O Cruzeiro.
     Por volta de 1940 a arte de Henrique Cavalleiro exibe revitalização, caracterizada por acentuada busca de textura pictórica e um sentimento passional da cor. É o momento das paisagens de Teresópolis, dos nus e figuras construídos mediante uma matéria ricamente expressiva, com larga utilização de cores truculentas, entre as quais se destacam os violetas e os azuis, os amarelos e os laranjas, os verdes, os vermelhos.
     Professor da Escola Nacional de Belas-Artes desde 1938 até jubilar-se em 1962, coube a Cavalleiro orientar grande número de alunos, entre eles Martinho de Haro, Roberto Burle-Marx e Ubi Bava, bem como, mais recentemente, Júlio Vieira e Píndaro Castelo Branco, demonstrando, a amplidão desse espectro, a largueza de sua orientação.




     Cavalleiro, que era casado com a pintora Yvonne Visconti Cavalleiro, faleceu a 26 de agosto de 1975, poucos dias após a abertura de sua grande retrospectiva no Museu Nacional de Belas Artes


Thimóteo Da costa


Como pintor das primeiras décadas do século, este artista vive um momento de transição da linguagem plástica no Brasil, com tendência ao abandono dos cânones da pintura acadêmica.
     Esta flexibilidade está, sem dúvida, presente no conjunto da obra de Artur Timóteo da Costa, cujo trabalho consolida as experiências impressionistas no Brasil, em pintura que teria desdobramentos fauvistas, por volta de 1929 e 1921, pouco antes de o artista terminar seus dias.
     Na imagem abaixo, a personagem popular, que é a cigana, aparece revestida de austeridade no tratamento que o pintor lhe confere. Mais preocupado com a composição do que com a fidelidade à aparência da cigana, o modelo parece só ter servido de referência para extrair os elementos que permitiriam ao artista realizar uma «idéia» de cigana.
     A idéia, desenvolvida sobre o eixo central do quadro, determina altivez à figura, e simetria quase total à composição. A cor é utilizada nos tons escuros, passando dos pretos aos castanhos e avermelhados, onde os limites dos contornos se diluem. A mão,, pousada num gesto de recolhimento, aparece como o ponto mais iluminado da tela.









Vicente do Rego Monteiro


Nascido em Recife, em 1899, numa família de artistas. já em 1911 Vicente do Rego Monteiro estava em Paris (em companhia da irmã mais velha), cursando, por pouco tempo, a Academia Julian. Talento precoce, em 1913 participou do Salão dos Independentes, na capital francesa. De volta ao Brasil em 1917, dois anos mais tarde realizou, em Recife, sua primeira mostra individual; em 1920 e 1921, apresentou-se no Rio de Janeiro, em São Paulo e Recife.
    Em São Paulo entrou em contato com os artistas e intelectuais que desencadeariam a Semana de Arte Moderna, da qual participou com dez de pinturas. Logo em seguida retornou a Paris, e integrou-se a tal ponto na vida artística e cultural da capital francesa que nos anos 20, era um dos pintores estrangeiros mais conceituados na França, com assídua e notável participação em mostras duais e coletivas.
      Alternando praticamente toda a sua existência entre a França e o Brasil, Vicente só pouco antes de falecer desfrutou algum prestigio maior em sua terra natal, onde nunca chegou a receber a consideração que sua importância exigia.  Em 1957, fixou-se no Brasil. passando a lecionar sucessivamente na Escola de Belas-Artes de Recife, na de Brasília e de novo na de Recife. Em 1966 o Museu de Arte de São Paulo dedicou-lhe uma retrospectiva, o mesmo tendo feito, após sua morte, em 1970, o Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.
     Muitas das melhores telas de Rego Monteiro perderam-se num incêndio, no fim da década de 20; Anos mais tarde, o artista tentou reproduzi-Ias de memória ou lançando mão de esboços e desenhos preliminares; mas, evidentemente, as obras perderam muito em emoção e sentimento.
      Em seus melhores momentos, Vicente é pessoal, embora aparentado a outros artistas de seu tempo. Sua peculiaridade é a insistência com que abordou temas nacionais, o que o transforma em precursor de uma tendência artística latino-amencana. Seu mundo de idéias oscilava entre as figuras do panteão americano e a Bíblia, os clássicos e outros temas grandiloqüentes, que tornam sua arte grave e profunda. Mas ele sentiu também, como poucos, a sedução do movimento fascinado que era pela dança e pelo esporte — e, homem de seu tempo, em determinada fase da carreira viu-se empolgado pelo não figurativismo.


      Características de sua arte são a plasticidade, a sensação volumétrica que se desprende dos planos, a textura quase imaterial, de tão leve, o forte desenho, esquematizado. e a ciência da composição 


Almeida Júnior


Nascido em Itu (SP) e falecido tragicamente em Piracicaba, no mesmo Estado. Demonstrando desde a mais tenra idade inclinações artísticas, teve no Padre Miguel Correa Pacheco seu primeiro incentivador, quando era sineiro da Matriz de Nossa Senhora da Candelária, em sua cidade natal. Foi o padre quem obteve, numa coleta pública, o dinheiro suficiente para que o futuro artista, já então com cerca de 19 anos de idade, pudesse embarcar para o Rio de Janeiro, a fim de ali estudar. Em 1869 Almeida Júnior estava inscrito na Academia Imperial de Belas-Artes, aluno de Julio Le Chevrel e de Vítor Meireles. Durante o curso, parece ter sido a principal diversão dos colegas, com seu jeito de caipira, seu linguajar matuto, as roupas de roceiro. No dizer de Gastão Pereira da Silva, "era o mais autêntico e genuíno representante do tradicional tipo paulista. Mas sem nenhum traquejo de homem de cidade. Falava como os primitivos provincianos e tal qual estes vestia-se, andava, retraía-se. Mas isso não impediria que fizesse um curso brilhantíssimo, durante o qual recebeu diversas premiações em desenho figurado, pintura histórica e modelo vivo, inclusive, em 1874, a grande medalha de ouro, com o quadro Ressurreição do Senhor." Terminado o curso, Almeida Júnior, ao invés de tentar concorrer ao prêmio de viagem à Europa, preferiu retornar a Itu, onde abriu ateliê, dedicando-se a fazer retratos e a lecionar desenho. O acaso, porém, fez com que um seu retrato fosse apreciado pelo Imperador Pedro II, durante uma viagem que realizou em 1875 à Província de São Paulo. Foi chamado à presença do soberano, que já o conhecia da Academia que lhe perguntou por que não ia aperfeiçoar-se na Europa, oferecendo-se logo em seguida para lhe custear e lhe perguntar pessoalmente a viagem. A 23 de março do ano seguinte, um decreto da Mordomia da Casa Imperial abria crédito de 300 francos mensais para que Almeida Júnior fosse estudar em Paris ou Roma. A 4 de novembro de 1876, o artista seguia com destino à França, e um mês depois já estava matriculado na Escola Superior de Belas Artes, em Paris, como aluno do célebre Cabanel.
De fins de 1876 até 1882 morou em Paris, efetuando, nesse último ano de sua permanência européia, breve excursão à Itália. Em Montmartre, onde residiu, teria pintado 16 telas com cenas do bairro famoso; tais pinturas, se de fato existiram, perderam-se de vez. Em compensação restam, do período francês, Arredores de Paris e Arredores do Louvre, e sobretudo as grandes composições com as quais participou dos Salons de 1880 (Derrubador Brasileiro e Remorso de Judas), 1881 (Fuga para o Egito) e 1882 (Descanso do Modelo), obras admiráveis da pintura realista de qualquer tempo ou lugar. É curioso observar que, no Derrubador Brasileiro, à falta de um. autêntico caboclo paulista, Almeida Júnior tomou como modelo um jovem italiano de nome Mariscalo.
Inteligente e estudioso, tendo realizado grandes progressos em Paris, Almeida Júnior nunca perdeu seu jeito displicente de matuto, e a um ilustre visitante brasileiro que fora procurá-lo no ateliê parisiense horrorizou com a frase, tantas vezes repetida, pronunciada no mais puro acento ituano:
Istou mórto pôr mi pilhar nó Brasil.
Ao Visconde de Nioac, representante brasileiro em França, que um dia lhe recriminara fala, roupas, modo de ser, retrucou indignado, afirmando que jamais abandonaria seus hábitos interioranos, nem nunca renegaria sua origem. Mas esse rústico, nas horas de folga da pintura, entregava-se longamente ao piano, do qual chegou a ser regular executante, e para o qual compôs algumas músicas. Não admira, pois, que no Descanso do Modelo o pintor esteja aplaudindo a jovem modelo que, desnuda da cintura para cima, dedilha displicentemente o teclado.
Voltando ao Brasil, Almeida Júnior expôs no Rio seus trabalhos executados em França. Mas o sucesso da mostra não impediu que pouco depois o pintor de novo se encafuasse em Itu, para em 1883 abrir ateliê em São Paulo. Na grande exposição de 1884, novamente expôs quatro dos seus maiores triunfos - a Fuga, o Derrubador, o Descanso e o Remorso. Ao comentar seu envio, Gonzaga Duque afirma ser Almeida Júnior "o mais pessoal e, sem dúvida, um dos que melhor sabem expressar, com toda clareza e nitidez de um estilo à Breton, os assuntos tomados de improviso a uma página da Bíblia, da História, ou simplesmente da vida de todos os dias e de todos os homens".
Pouco a pouco, em contato com a terra e os habitantes, Almeida Júnior irá substituindo os temas bíblicos pelos regionais, pelos aspectos simples de sua provinciana Itu. Pouco adianta que o Governo Imperial o agracie com a Ordem da Rosa em 1885, ou que Vítor Meireles o convide a ocupar sua vaga como professor da Academia: nada irá separá-lo da província, mesmo porque se encontra perdidamente apaixonado por sua antiga noiva (agora casada com outro) Maria Laura do Amaral Gurgel, que lhe corresponde à paixão, e a quem retratará várias vezes, nos traços de seus personagens femininos. Na década que vai de 1888 a 1898 nascem-lhe as grandes composições regionalistas, que hoje lhe garantem prestígio talvez superior às pinturas realizadas na França: Caipiras Negaceando, Cozinha Caipira, Amolação Interrompida, Picando Fumo, O Violeiro. Ocorrem, ainda, paisagens de Itu, Piracicaba e Votorantim, sem falar nos retratos.
Em 1891 e 1896 o pintor realizaria novas viagens à Europa, a última em companhia de Pedro Alexandrino, o qual, com bolsa de estudos do Governo de São Paulo, ia aperfeiçoar-se em Paris. Dos anos finais de sua existência datam ainda alguns quadros notáveis, como Leitura (1892), exposto no Salão de 1894, A Partida da Monção, baseada em desenhos de Hercule Florence e medalha de ouro no Salão de 1898, e finalmente O Importuno e Piquenique no Pio das Pedras, expostos, com mais seis obras, no Salão de 1899, e repletos, ambos, de conotações psicológicas. Infelizmente, a vida e a carreira de Almeida Júnior foram tragicamente truncadas a 13 de novembro de 1899, quando o artista caiu apunhalado, diante do Hotel Central de Piracicaba, por José de Almeida Sampaio, seu primo e marido de Maria Laura, o qual acabara de descobrir a ligação amorosa que existia, havia longos anos, entre a mulher e o pintor.
No panorama da pintura nacional, Almeida Júnior aparece como autêntico precursor. Em sua obra, que abrange pinturas históricas, religiosas e de gênero, retratos e paisagens, repercute uma personalidade que nunca se afastou um milímetro de suas idéias e convicções. Sua produção, não muito extensa, é valiosa do ponto de vista estético, histórico e social, nela se misturando influências românticas, realistas e até mesmo pré-irnpressionistas: como não ver, nesse artista probo e sincero, um êmulo de Courbet e de Millet, ou de Bastien-Lepage e Lhermitte, com os quais possui afinidades técnicas e temáticas?
Realista, os personagens do pintor são gente de carne e osso, que conheceu pessoalmente, gente que tinha nome, comia, vivia, amava. Assim, o modelo para Picando Fumo era um tipo popular de Itu, Quatro Paus; e a mulher que aparece escutando O Violeiro era figura notória da cidade, misto de enfermeira e dançarina num cabaré local. De inspiração outra são, evidentemente, as várias figurações de Maria Laura que perpassam por sua produção: porque Maria Laura é A Noiva (1886), ela é quem simboliza A Pintura, no quadro, de 1892, hoje na Pinacoteca de São Paulo surge na Leitura, também de 1892, quem sabe se também em O Importuno, de 1898, ou em Saudades, de 1899, quando não em Repouso, sensual figura de uma jovem adormecida, em meio à leitura, vendo-se o alvo seio que escapa dos rendilhados da camisola entreaberta. No que respeita aliás aos aspectos psicológicos da arte de Almeida Júnior, homem tímido e retraído mas paradoxalmente ousado, afrontando a tudo e a todos, em se tratando de seu amor por Maria Laura, quanta matéria de estudo em pinturas como as já mencionadas O Importuno, Leitura ou Repouso!
Tecnicamente, pode-se dividir sua carreira em duas fases, antes e depois de 1882. Na inicial a palheta é sóbria e o modelado de extrema simplicidade, com apelo a recursos de luminosidade que de longe evocam os pré-impressionistas e a uma fatura gorda, empastada; na segunda fase a palheta se aclara e enriquece de novos matizes, a pasta pictórica é utilizada com maior parcimônia, enquanto, tematicamente, o assunto brasileiro faz sua aparição, externado numa linguagem plástica das mais pessoais e mais bem articuladas surgidas entre nós.